sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Andamos a criar totós

Eu não sou mãe. Não tenho filhos meus...ainda. Nem tenho sobrinhos.
A minha relação com crianças resume-se aos sobrinhos, afilhados e primos do Guapo. Ah, e os filhos dos amigos.

Um dos sobrinhos do Guapo entrou este ano para a universidade (ele e a irmã têm uns bons anos de diferença, convém esclarecer). Então o sobrinho está alojado na casa dos avós (pais do Guapo) que fica na Grande Lisboa, longe do centro (onde nós estamos).

Acontece que agora tudo (TUDO) se gera e decide à volta do sobrinho. Não que ele tenha pedido, mas todos se sentem na obrigação de lhe facilitar a 'adaptação' à nova realidade. Nova realidade que já dura há mais de dois meses.

No outro dia o sobrinho teve um exame na faculdade que terminou às dez da noite, adivinhem quem é que se voluntariou para o levar a casa de carro uma vez que aquela hora da noite há poucos transportes públicos? Pois, o Guapo. Adivinhem quem é que levou com respostas tortas porque ele já estava à espera na rua à 2 minutos e eu estava a 'engonhar'. Eu.

Para além da roupa lavada, comidinha feita, e outras coisas, agora também se fornece serviço UBER. Ah e tal, coitado. Ele tem iphone, instala o Uber e siga (que os paizinhos ganham muito bem - muito bem MESMO e podem pagar). Seria a minha lógica.

A sério, isto está-me a consumir os nervos. Já disse várias vezes que não estão a criar nenhum bebé (olham-me com cara de horror, chamam-me insensível).

A lá ver, eu vim da província para Lisboa sozinha, com 18 anos. Morava em Alvalade e a minha faculdade ficava no Alto da Ajuda. Numa altura em que os autocarros nem sequer iam até à porta da (única) faculdade ali existente (na altura). Não raras vezes, eu e colegas, éramos abordadas por homens nos carros a pensar que estávamos a fazer serviço no Monsanto (quando íamos a pé até à faculdade). As minhas aulas acabavam às sete da tarde quando não era mais tarde. E eu sou GAJA, não sou gajo. Sobrevivi e não tinha ninguém por perto para me safar, nem iPhones, nem Ubers, nem dinheiro de sobra (que já ia tudo para as despesas de rendas), nem mariquices do género. Só implorei por um carro (qualquer um desde que andasse), no dia em que a caminho da faculdade escangalhei uma maquete nas mudanças de autocarro / metro/ autocarro e chuva pelo meio. E aí, confesso, melhorou muito a minha vida.
Agora imaginem o coração de um pai que vem deixar um carrinho (fofinho que só ele, uma casca de ovo valiosa para mim) à sua filha bebé em Lisboa, tendo ela acabado de tirar a carta! Mas olhem, desenrasquei-me bem, sem multas e  acidentes. 
Cheguei a sair de casa às tantas da noite à procura de sítios para imprimir ou tirar cópias (e havia!). Não tinha avós, nem pais, nem tios para me 'desenrascarem'. Não.
Pelo meio, também tinha de fazer compras para a casa, cozinhar (sabia zero e não havia Bimby), lavar a minha roupa, estender, apanhar e passar a ferro. 

Hoje em dia tenho muito orgulho de conseguir o que consegui, mas sei que fui muito apoiada pelos meus pais. Sempre se dispuseram a ajudarem-me em tudo o que pudessem, e eu só pedia o que não conseguia mesmo fazer por mim uma vez que não trabalhava. Sei que há pessoas que trabalham e tiram cursos, mas no meu caso eu sei que isso era impossível. Principalmente porque a avaliação era contínua, tínhamos inúmeros trabalhos de grupo para além dos individuais, e eu queria tirar o curso sem repetir nenhum ano (prop$nas) para começar logo a estagiar e ganhar o meu dinheiro para as minhas despesas. Mas tenho plena consciência que fui uma afortunada.

Quando uma pessoa tem de cumprir um objectivo mas não sabe como, tem de desenrascar. Usar a imaginação, apelar às amizades, fazer acontecer. Eu sou assim, não espero que façam por mim senão arrisco-me a ficar a chuchar no dedo. E se eu tivesse continuado na província teria tido uma evolução completamente diferente porque teria lá sempre o meu pai ou a minha mãe a fazerem-me a papinha toda.

E se queremos ser autónomos, é desde tenra idade que se adquirem esses skills. Eu vou ao banco, à seguradora, à oficina, supermercado, à lavandaria, o que for. Tenho de resolver algo? Resolvo. 

Vou-me apercebendo que quando tivermos filhos isto vai dar filme. O Guapo há-de ter uma postura hiper-proteccionista e eu (embora ache que também vá ser mãe-galinha) vou forçar-me a não tratar os meus filhos como totós até aos 40 anos. Nem pensar! Vão ser engolidos pela sociedade num instante, vão ter uma vida caótica e ninguém vai querer aturar criaturas assim. 

A minha esperança é que isto seja só agora, na primeira vez, porque hão-de haver N exames que acabam às dez da noite, aí quero ver.




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